Thursday, April 12, 2007

Fim.

No ponto de ônibus, Marlene abraçava com força e carinho a caixa retangular. Ela pensava na reação dos meninos quando vissem o que trouxe naquela para noite para casa. Sabia que não podia gastar esse dinheiro, justamente nesse mês. Mas nada como um gosto feito, não é. Ela sempre lembrava dessas palavras do pai, que de tantos gostos feitos não conseguiu guardar o mínimo para as necessidades principais.
Sentia o cheiro da cebola e da carne quente exalando da caixa e enchia a sua boca de água. Também, a última coisa que tinha comido no dia foi o pão com queijo ainda de manhã. Tá certo que depois de dois ônibus e uma caminhada de meia hora no bairro elas vão estar frias, mas alguns minutos na boca do fogareiro vão deixá-las bem parecidas com o jeito que saíram da lanchonete.
Bonita a lanchonete. Fica na esquina das duas avenidas largas, que ela passa três vezes por semana para ir até a casa da patroa. Meninos e meninas de uniforme da escola sempre estão lá comendo, bebendo coca cola, fumando cigarros no cantinho e dando risadas. Esses garotos são barulhentos, mas é da idade. Tem energia de sobra e não param de correr de um lado para o outro.
Opa. Quase caiu no sono, Marlene. É o cansaço que faz dor nos braços, nas pernas e nas costas. As bolsas que contornam os olhos e os deixam inchados são mais um sinal que o dia foi pesado. Aquele quintal lindo, cheio de plantinhas, flores coloridas ficou uma bagunça de copos, garfos e pratos de plástico da festinha da menina na noite passada. Quatorze anos, quem diria. Já tinha pegado ela no colo.
Opa. Acorda Marlene que o ônibus já chegou no ponto e é só você que vai subir nele. Usa a sua força para colocar o primeiro pé no degrau, que depois fica tudo mais fácil. Não perde o equilíbrio, porque os meninos com o uniforme também querem subir e, diabos, ao mesmo tempo que você.
Eita correria
Peraí, moleque!
Foi só um toque. Ela estava segurando com força, mas a tampa abriu. Não pôde fazer nada e só acompanhou aqueles pedacinhos de massa rolarem para o chão. Bem na roda do ônibus.
E foi tão rápido.
Só sobrou uma esfiha espremida entre as duas portas do ônibus escorrendo uma gordura fria.

1 Comments:

Blogger Glória G. said...

Me dá o telefone da Marlene que vou mandar o Rafics fazer uma entrega. Sabe aquele série "Para gostar de ler"? Seu texto me lembrou um conto daquela série, um em que o pai pobre levava os meninos para tomar um lanche e, num ato de generosidade, o garçom colocava meia almôndega dentro de cada pão - o pedido era só pelo pão.
Gostei.

6:06:00 AM  

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