Wednesday, September 26, 2007

Porto Gotham

Lembro a primeira vez que conheci a capital brasileira mais ao sul do país, em uma excursão de escola. Meus olhos foram atraídos pelos seus prédios escuros e uma eterna nuvem que tudo cobria. Morava em uma cidade com 60 anos de idade e minhas férias eram nas praias e locais ensolarados. Estar em um lugar tão diferente era muito legal. Porto Alegre era a Gotham City das histórias quadrinhos que eu carregava para todo lado.
Ontem saí de lá depois de alguns dias. Fui para ver amigos que sinto falta todos os dias, mas também para reencontrar essa Gotham.
Do trem caí direto no centro da cidade, ao lado do mercado municipal. As cores amareladas do mercado me provocaram suspeitas, mas logo depois, Borges de Medeiros me mostrou que minha primeira impressão não havia me traído.

Ao longo da avenida os prédios antigos de tons negros se perfilam até a escadaria que liga o centro à cidade baixa. No nível da rua, por baixo da escadaria, os sebos vagabundos, a pixações punks e os mendigos dormindo. Por cima os restaurantes, lojinhas e os garotos cheirando cola no final da tarde.
Porto Alegre tem cara de má. Se você marcar na esquina, o carro te pega.
A Rua dos Andradas, que eles chamam de Rua da Praia, é o centrão fervilhante. Gente sempre para todos os lados entre galerias e esquinas escuras.
E pelas ruas, as portinhas se multiplicam em bares e botecos. Em um deles me deparei com um disneylandia etílica. Cervejas de todos os tipos e muitas delas feitas no sul. E aqui vai uma dica turística: Nos bares procure uma cerveja chamada Coruja. Essa da foto aí:
Feita em Teutônia (RS) com água gaúcha e ingredientes alemães. Espessa como uma cerveja deve ser e forte, ela é uma festa.
E festa é o que mais tem por lá. A Cidade Baixa, região localizada, como o nome diz, na parte mais baixa da cidade, é o local onde tudo acontece e todas as noites. O sem número de bares que existem por lá estão sempre cheios de música para quase todos os estilos. Por seis dias eu passei por eles até o amanhecer e não conheci todos que queria.
E tem mais um monte de coisa: O guaíba com seu tamanho majestoso e parecido com um mar de chocomilk, a cultura dos festivais e bienais de arte, os museus, um cinema instalado dentro de um antigo cofre de banco, a casa de cultura Mario Quintana (sensacional), a usina do gasômetro, o imenso parque da redenção, o parque farroupilha e os passeios intermináveis de carro e também a pé por todos esses lugares que serviam de paisagem para tanta conversa boa.
Saí de lá bem. Vi meus amigos e me diverti muito com eles sabendo que algumas coisas não mudam mesmo e outras estão modificando, se criando e que vão resultar em mais alegria para todos que estão em volta.
E eu estou em volta disso tudo. Lá em Gotham City.

Monday, September 17, 2007

Superagui blues

Quem acha que ir para praia é motivo de felicidade plena nunca foi para Superagui. Transformada artificialmente em ilha no início da década de 60 através da abertura de um canal, o local respira melancolia. Não que isso signifique tristeza ou depressão para os turistas que escolhem o lugar, mas, definitivamente, a ilha não combina com batuques solares de Jorge Ben ou outras músicas que são ouvidas ao longo do litoral brasileiro.

As cores da ilha são de semi-tons que não explodem em vida, mas em imagens plácidas. Vez ou outra, sua vegetação é contrastada pelo vermelho das bromélias e outras flores que persistem em pontuar o caminho das trilhas. E em razão de sua topografia plana, a praia de Superagui é sempre a mesma. São dezenas e dezenas de quilômetros de uma praia reta que a gente perde a vista no horizonte.

Mas não dá para pensar que tudo é monótono. Superagui é triste, mas não é chata e se revela nos detalhes. Sua areia fina é um convite para longas caminhadas e passeios de bicicleta. E por todo o caminho, a gente encontra milhares de conchas de diferentes formatos e pedaços de corais esculpidos pelo mar.

O que se encontra nas areias de Superagui também explicam um pouco de sua natureza melancólica. Em razão de sua localização, a maré leva até ela carcaças de animais como tartarugas, golfinhos, peixes e até mesmo pingüins. Todos mortos. Alguns locais do litoral brasileiro são chamados de berço da vida. Superagui é o cemitério.

Uma história contada pelos pescadores resume tudo isso muito bem: Há pouco mais de um mês, uma baleia Orca apareceu bem próxima da ilha, fazendo um festival de acrobacias que encheu os olhos de todos os moradores. No mesmo dia o corpo de uma pessoa bateu na mesma areia. Até em dias felizes, Superagui é triste.

O mar também leva para a praia a nossa sujeira. Os olhos são assaltados com imagens de uma infinidade de dejetos do homem. Pneus, garrafas, tênis, pedaços de barcos, restos de redes, latas, garrafas são levados para a ilha numa forma do mar mostrar que rejeita aquilo que produzimos. Somos lembrados que estamos destruindo tudo e não há onde esconder a nossa sujeira.

Os poucos mais de mil moradores ainda não foram picados pela “mosca azul” do turismo. Lá não existe a falsa simpatia do “cliente sempre tem a razão”. Lá ninguém vai te convidar para almoçar na sua casa depois de uma conversa de quinze minutos. Mesmo os donos de pousadas e restaurantes ainda se esforçam para demonstrar uma paixão avassaladora sobre quem acabou de chegar.

Ao mesmo tempo que os moradores são reservados, eles também se tornam amigos depois que te conhecem. Daí você pode ser convidado para um almoço, ganhar uns camarões ou se deliciar com as lendas e histórias contadas por eles. Algumas lendas bem tristes e muitas bem divertidas.