Tuesday, March 27, 2007

Mutantes

1968 era barra. Tinha AI-5, exilados, governo militar prendendo e arrebentando tudo, um país sendo enganado por milagres econômicos inexistentes e faculdades virando bunkers de resistência política.

1968 era curtição. Havia a Flower Power com suas flores na cabeça, liberação sexual, o Pasquim abraçava a causa do bundalelê generalizado e tinha a luta pela libertação da música brasileira da caretice.

Nesse meio existiam três adolescentes paulistanos meio doidos e muito inteligentes que faziam rock n´roll brasileiro. Eles eram chamados de Mutantes e seu legado está aí para quem quiser ouvir e entender a arte de engolir o que vem de fora e vomitar algo muito brasileiro. Antropofágicos esses meninos.

Eles eram Rita Lee e seus trinados doces e pungentes, engraçada, criativa e linda, linda, linda, Arnaldo Baptista o gênio doidão e Sérgio Dias a virtuose da guitarra e músico criativo.

Para eles deve ter sido bom enquanto durou.

Para nós restou ouvir os discos até que...eles voltaram!

Quem voltou? A princípio somente Sérgio Dias.

Rita não quis entrar no projeto ainda quando tudo era tratado como segredo de estado. Deve ter achado que ia ser barca furada e pulou. Depois esnobou e disse que era armação dos velhinhos.

Arnaldo subiu ao palco, mas não voltou. Talvez nem tenha ido ainda. Vai saber.

Mas o show deles é divertido, bem tocado, rico em detalhes e as canções se aproximam muito das versões originais de disco. E outra: Ver Sérgio Dias tocando com sua guitarra de ouro é ponto no currículo. Fiz uma entrevista com ele alguns dias antes deles tocarem em Curitiba, que foi seu terceiro show no Brasil após a volta. Ele é um cara bacana, tranqüilo, de pensamento ágil e parece estar feliz. Segue essa entrevista na íntegra: *



Vocês tocaram em Cambé, no ano de 1972, no festival Colher de Chá. Quais as lembranças?

Lembro do filme feito em Super 8 da gente descendo de avião e encontrando com as pessoas. Mas do show em si fica muito difícil lembrar. Ainda mais em 72.

E como vai ser o show em Curitiba?

Como no Barbican (Teatro inglês onde eles fizeram o primeiro show da volta). Não tinha motivo para ensaiar um outro show que a gente nunca tocou no Brasil. Mas o show tem uma coerência muito grande.

Essa coerência significa cobrir toda a discografia da banda?

Não sei cobre toda a discografia, mas é uma bela fotografia inclusive com as músicas que são quase impossíveis de tocar. O maior desafio era fazer ser tocado, sem sampler ou outros recursos eletrônicos. É por isso a banda hoje é grande com 10 integrantes.

A presença de tantos integrantes mudou alguma musica na dinâmica das músicas?

Não. Tudo demora um tempo até todos encontrarem seu espaço, mas foi tudo muito rápido porque são todos músicos de alta qualidade. Você pegar um Dinho (baterista original, que já estava aposentado), que não tocava há 20 anos, era um desafio. Mas quando ele começou a tocar três ou quatro compassos eu disse: Nossa! Não tem outro músico.

Ao longo dos anos foram feitos vários pedidos e ofertas de volta...

Houveram várias ofertas pelo lado comercial, mas nunca pelo nosso lado. Nunca houve uma ação concreta nossa. Não eram interesses monetários que iam colocar os mutantes de volta para o palco. Agora era o momento certo, principalmente com essa grade leva de bandas alternativas fora do eixo Rio-São Paulo. Acho que a nossa volta é para mostrar: Olha tá vendo. Nada é impossível

E seus projetos solos?

Depois de um ano eu consegui voltar com os meus projetos.

Como está tocar com o seu irmão Arnaldo?

Ótimo. Um sonho. Lógico que ele teve alguns problemas que a história conta, mas ele está detonando. Um exemplo é a musica “Ando meio desligado”, que no Barbican eu fazia todo o solo e agora eu já divido com ele o solo. Ele está tocando coisas geniais.

E estão usando os valvulados, como ele sempre enfatizou?

A gente usa tudo de bom. Por exemplo estou tocando a guitarra que meu irmão Cláudio (Cláudio César Baptista Dias – gênio da eletrônica que construiu vários instrumentos de efeito para os Mutantes na década de 60-70, inclusive a guitarra de ouro) fez.

Você voltou a tocar com a guitarra de ouro?

Lógico. Você vai ouvir tudo que a gente usava. Todos os pedais que estavam lá. Para mim é impressionante. Eu pego a guitarra e começo a solar e é o mesmo som que eu fazia antes.

Seu irmão Cláudio está envolvido nos Mutantes novamente?

Não diretamente. Ele está escrevendo. Fez uma coleção de livros de ficção científica chamada Geá.

E a Zélia. É uma mutante?

Claro! É como se fosse uma irmã no palco. A mágica da coisa é maravilhosa. Temos cumplicidade.

Mas o estilo de voz dela e da Rita são bem diferentes...

A Zélia é uma cantora de um calibre que é dose. Você tem que comparar ela com Elis Regina. Não tive preocupação em modificar a tonalidade dela. Ela tem uma gama de alcance imenso. E ela está cantando com a voz dela.

E os planos para o futuro? Vocês vão gravar disco novo?

E estou começando a compor com Tom Zé também e com a Zélia. Vamos deixar a vida levar, mas eu espero que sim. Calma que a gente chega lá. Vamos curtir o momento isso que está acontecendo. Estamos no pique de tocar no Brasil todo. Temos também shows marcados em junho e julho nos EUA e Europa.

E vocês têm uma gama muito grande de fãs que nunca viram vocês tocarem e nem estavam vivos nos anos 70.

O incrível mesmo foi ver no show de São Paulo é que o filho de uma moça, que tem seis anos de idade, fez um desenho dos Mutantes. E em Chicago uns garotos adolescentes entraram no nosso camarim com os discos e estavam chorando de emoção. É realmente impressionante. A gente só pode ter uma grande humildade de agradecer que isso está acontecendo.

A banda, no seu início, estava inserida no movimento tropicalista. E vocês fazem parte desse movimento. Na sua opinião, como estão seus companheiros de tropicália?

Eu não tenho esse contato. A não ser o Tom Zé, que está sendo ótimo. Naquela época o Tom Zé estava a milhas de distância de mim. Eu tinha 16 anos. Hoje eu posso me relacionar porque eu tenho 56 anos e a diferença de idade agora é pequena . Ter ele como parceiro está sendo um sonho para mim. Eu pego uma palavra e ele faz uma música que é de enlouquecer. O Caetano eu não vi desde a volta e o Gil está lá fazendo o trabalho de ministro dele.

E tem o Duprat, que faleceu recentemente...

Uma perda triste. E aí eu comprei um Cello. Porque o Duprat tocava e eu agora estou aprendendo. Começando do nada e apanhando como um cachorro para aprender. O Cello sempre me encantou porque o Duprat tocava. Foi sempre uma coisa que me influenciou.

*parcialmente publicada no JL, no dia 16 de março

Wednesday, March 07, 2007

Envelhecer com dignidade

Estava eu assistindo uma propaganda onde aparecia o Barão Vermelho fazendo um show. E entre a apresentação, uma coisa me chamou a atenção: é quando o vocalista de seu modo rouco e tão ritmado fala em meio à canção “Eu quero ouvir todo mundo cantando comigo. Pode seguir a sua estrela...” e por aí vai. É que eu acho que ouvi isso em todas as cinco ou seis vezes em que assisti a banda.

E acho que banda tem que envelhecer com dignidade. E o Frejat rebolando desse jeito tiozão com a guitarra e dizendo que quer ouvir todo muuundo cantando é triste, é medonho e é deprimente. Para ele. Porque para mim basta mudar de canal e evitar os shows do senhor.

E tem muita gente que não sabe envelhecer com dignidade, né. Daí vamos à lista:

Mutantes - Tudo bem. Eles não envelheceram como banda, porque acabaram jovens. Mas daí ver o Arnaldo Batista com o teclado desligado e a Zélia Duncan fazendo vocal além de um monte de músicos segurando as pontas é um pouco triste. Mas eles precisavam de capitalizar o reconhecimento internacional.

Capital Inicial - O que falar do garotão Dinho de muito mais de 40 anos, que continua boa pinta mas não consegue mudar seu estilo musical! E dá lhe letra com vogal aberta para ele poder sorrir enquanto canta. Dinho já foi independente quando saiu da banda e seguiu carreira solo. Voltou rapidinho para o seio de sua amada (gravadora) e uns milhões na conta.

Charlie Brown – Essa já nasceu velha e apesar de existir a pouco tempo demonstra que não vai envelhecer com dignidade. O Chorão já deve ter bem uns quaretinha e canta de boné virado e para as minas e os manos da praia, do surf e do skate. Mas vide o caso Capital, que a gente já nota que eles vão ter vida longa.

Deep Purple - Tinha uma época que só banda em fim de carreira (fim mesmo) aparecia para tocar no Brasil e descolar os últimos trocados. O Deep Purple é dessa época e continua aparecendo por aí.

The Who – Já morreu o baterista, o baixista e só o Roger Daltrey não morre antes de ficar velho.

No canto esquerdo...Rooooooocky Baaaaaalboa!

Eu lembro de um tempo de em que cinema era uma coisa muito divertida. Não tinha essa coisa de ir para pensar. A intenção era vibrar. E os diretores e roteiristas sabiam o que eu e meus amigos queríamos. Nos anos 80 tinha Poltergeist no Supercine e no cinema tinha Goonies, De Volta para o Futuro, Ruas de Fogo, Superman (III e IV) e Rocky.

Ah. Rocky. O melhor exemplo de um vencedor com cara de perdedor. Não que a gente quisesse ser meio mongol como ele, mas quando estava no ringue era o cara. Ganhou de todo mundo. E na rua a gente partia um para cima do outro brigando e brincando de ser Rocky Balboa. O cara. O lutador.

E se o primeiro era um filme dramático, meio levado a sério, os outros descambaram para uma diversão sem fim para o fã de lutas cinematográficas. Os filmes sempre falaram da mesma coisa. De se superar. De ser um homem frente às dificuldades e, claro, com a cena de treinamento dos dois oponentes.

Quando eu cresci assisti o Rocky V. Estava na fase dos filmes para pensar e daí detestei. Ator ruim, história clichê. “Pô. Esse negócio de superação de novo”.

E no último round, Rocky Balboa se levantou novamente e foi para a briga.

Hoje, no ano de 2007.

E lá no cinema eu me senti como nas matinês do Vila Rica. Porque tudo é uma homenagem sem tamanho aos filmes dos anos 80. Em nenhum momento você vai esperar uma cena moderna ou uma reviravolta criativa. É tudo padronizado, exagerado e pevisível. Cada diálogo é um trecho de livro de auto ajuda. Os encontros e desencontros com o filho que não suporta a sombra feita pela lenda criada atrás do Rocky se desenrolam com aquele draminha típico. Rocky é um old fashion.

Mas o que mais transpira no filme é paixão. Vontade de fazer algo para demonstrar que aquele cara meio mongol e de coração grande rende uma hora e meia de alegria. Cenas clássicas, como ele correndo as escadarias são relembradas e, claro, a cena do treinamento de uma luta improvável com o atual campeão, onde os dois vão vencer.

Quer coisa melhor? Ih. Tem um monte. Mas Rocky é uma celebração do cinema com milk shake de ovomaltine sem comparação.

Eu queria encontrar a molecada para a gente trocar uns socos até a minha mãe chamar para tomar banho e ir dormir.