Wednesday, April 16, 2008

Um aula de música americana*

Não há como se passar por um show do cantor Bob Dylan sem ser “tocado” de alguma forma. O senhor de 67 anos, que encerrou na última quinta-feira as apresentações em São Paulo (SP) e se apresenta no Rio de Janeiro (RJ) nesse domingo, demonstrou para o público presente (na maioria fãs que o reverenciavam a cada música) porque é um dos nomes mais importantes da música nos últimos 40 anos.
Ser tocado pela música de um show de Bob Dylan pode ser uma tarefa que começa difícil. Ele, que se notabilizou pela forma de cantar anasalada e arrastada, possui uma rouquidão acentuada pela idade que provoca difícil compreensão. Outro fato é que Bob Dylan não entrega a música como ela foi comprada no disco e (re) faz versões tornando cada canção um exercício de descoberta. Muitas vezes somente o refrão lhe dá a pista.
Ao lado de sua banda formada por excelentes músicos todos trajados com ternos meio cafajestes e chapéus idem, ele entrou no palco quando boa parte do público ainda procurava seus lugares e abriu com Rainy Day Women #12&35, sua irônica e engraçada música do pilar de sua discografia, o duplo Blonde on Blonde (66). Depois emendou “Lay, Lady, Lay”, de Nashville Skyline, em uma linda versão que serviu para situar a todos que seriam duas horas de música memorável.
A seqüência de canções alternavam registros de seus últimos discos “Modern Times” (2006) e Love and Theft (2001) – que são as únicas canções onde sua estrutura no palco se assemelha aos discos – a clássicos como “Hard Rain´s A-Gonna Fall”, uma dos mais importantes registros de sua fase folk. Destaque para I'll Be Your Baby Tonight", também de"Blonde on Blonde" e “Workingman´s Blues #12”.
Mas o velhinho sabe também o que é peso. Ele empunhou uma guitarra nas primeiras músicas e depois fez todo o show no teclado dando as direções para que seus músicos soltassem o braço. Apoiado pelas guitarras da banda, uma bateria forte e um baixista de simplicidade e pegada rock n´roll, ele fez uma versão seminal de “Highway 61 – Revisited”, seguramente um dos momentos mais aplaudidos do show.
Antes de voltar para o bis, Dylan fez a alegria do público tocando “Like Rolling Stone”, do álbum “Highway 61 – Revisited” que foi cantada uníssono e daí deixou o palco, para voltar com mais uma paulada: “Thunder on the Mountain”, de Modern Times. E enquanto cantava, ele foi surpreendido por uma fã que lhe estalou um beijo na boca. “O homem que nunca sorri” abriu um sorriso tímido. Como se fosse um cantor que nunca tivesse sofrido assédio na mesma proporção dos Beatles nos anos 60-70, ele apenas falou “she kiss me” , enquanto a banda gargalhava.
O set de duas horas foi finalizado com “Blowin in the Wind”, a cancão que é um marco das lutas dos direitos civis nos Estados Unidos, ganhou uma roupagem forte escapando de comparações com a original gravada em 1962.
Dylan deixou o palco sob fortes aplausos e reforçou sua imagem de que é sim uma lenda viva, mas que não está na estrada apenas para ser reverenciado. São 67 anos e muita lenha para queimar.
* texto publicado no JL